Os biólogos analisaram e decodificaram os seres vivos. Agora sua meta é recompor as partes e recombiná-las. Alguns já fantasiam sobre a possibilidade de criar vida artificial: um sonho controvertido.
Três importantes instituições científicas alemãs – a Sociedade Alemã de Pesquisa (DFG), a Academia Nacional de Ciência Leopoldina, em Halle, e a Academia Alemã de Ciências Técnicas (Acatech) – tomaram recentemente posição conjunta em relação à biologia sintética.
Trata-se de um ramo científico que "dilui as fronteiras entre o vivo e o tecnologicamente construído", unindo biologia, química, física, matemática, engenharia, biotecnologia e informática. A biologia sintética teria como fim a criação de novas vacinas, mas também novas fontes energéticas, explicam.
O presidente da Acatech, Reinhard Hüttl, calcula que levará cerca de 20 anos até essa técnica chegar ao mercado. No entanto, com sua declaração conjunta, as instituições pretendem "estabelecer, desde cedo, o diálogo com a sociedade" sobre uma tecnologia do futuro que – assim como a engenharia genética – abre grandes chances, mas também implica riscos.
Pois a pretensão de criar vida artificial tem seus antagonistas. E tudo começou em Massachusetts, nos Estados Unidos.
Como um jogo de Lego
O Massachusetts Institute of Technology (MIT) é uma universidade de elite e um cadinho de cientistas. Nele nasceu, em 2004, o conceito da "biologia sintética". O informático Tom Knight e o engenheiro Drew Endy propuseram-se a construir seres vivos no computador, compondo organismos unicelulares a partir de peças básicas, como numa fábrica.
Seu raciocínio central foi o seguinte: para quem pretende realmente compreender a vida, não basta apenas decompor seres vivos; também é preciso saber remontá-los. Como num jogo de Lego, o desafio dos bioengenheiros era criar estruturas complexas a partir de "tijolos" simples – no caso, moléculas biológicas (biobricks).
O resultado final do processo são organismos feitos sob medida para desempenhar determinadas funções. Uma brincadeira que vai além da tecnologia genética tradicional, a qual opera exclusivamente com a transferência de genes de uma espécie a outra.
Feira de bricolagem biológica
Uma vez por ano, Knight e Endy convidam bioconstrutores de todo o mundo para um grande concurso de bricolagem molecular no MIT. E então bactérias brilham em padrões coloridos ou piscam em ritmo de polca, conectadas a uma aparelhagem de som.
Alguns desses altos artesãos começaram até a construir com microorganismos uma espécie de computador, e ao menos já conseguiram conectar alguns comutadores biológicos entre si.
Para alguns, tudo não passa de brincadeira para bioengenheiros. Outros veem o nascimento de uma nova biotecnologia. Pensando nos bioarquitetos do futuro, a firma BioArts, de Regensburg, já fornece peças sob medida de ácido desoxirribonucleico (DNA), responsável pela transmissão da informação genética.
Primeiros passos
Porém alguns cientistas querem mais. O pioneiro do genoma, Craig Venter, planeja produzir, dentro de alguns anos, vida artificial partindo de matéria morta. Seu futuro organismo sintético já tem até um nome: Mycobacterium laboratorium.
Os primeiros passos para a criação de nova vida já foram dados. Em 2002, uma equipe liderada pelo virologista alemão Eckart Wimmer, da Universidade de Nova York, conseguiu reproduzir o material genético do vírus da poliomielite e construir um vírus completo em laboratório.
Como explicou Wimmer, a meta era conhecer melhor o agente infeccioso. Contudo, o resultado não foi um ser vivo artificial. Pois, apesar de compostos por material biológico, os vírus nem são capazes de se reproduzir independentemente nem dispõem de metabolismo próprio, ambos pré-requisitos essenciais para caracterizar um ser vivo.
Brincadeira a sério
A bactéria Mycobacterium genitalium é, sem sombra de dúvida, um tal organismo. Craig Venter já construiu seu genoma, cerca de 100 vezes maior do que o de um vírus. Além do mais, já provou que, enxertado numa membrana celular, o genoma sintético assume o comando.
Agora, cabe repetir esses dois procedimentos com material genético criado por seres humanos. "Isso seria vida artificial", afirma Venter. Já o filósofo Andreas Brenner, da Universidade da Basileia, discorda. "Não pode haver vida artificial. Só existe vida. A forma como foi criada não tem qualquer relevância."
E se inicia o debate sobre uma nova ciência. As questões em aberto ainda são numerosas. O que aconteceria se bioterroristas criassem agentes infecciosos de doenças totalmente desconhecidas? Organismos artificiais poderiam desencadear uma catástrofe ecológica? O ser humano tem sequer o direito de se tornar um criador?
Pelo menos para uma pergunta Craig Venter tem uma resposta pronta. Acusado de estar brincando de Deus, o enfant terrible da ciência avançada replicou: "Como assim, 'brincando'?"
Fonte: DW World
Três importantes instituições científicas alemãs – a Sociedade Alemã de Pesquisa (DFG), a Academia Nacional de Ciência Leopoldina, em Halle, e a Academia Alemã de Ciências Técnicas (Acatech) – tomaram recentemente posição conjunta em relação à biologia sintética.
Trata-se de um ramo científico que "dilui as fronteiras entre o vivo e o tecnologicamente construído", unindo biologia, química, física, matemática, engenharia, biotecnologia e informática. A biologia sintética teria como fim a criação de novas vacinas, mas também novas fontes energéticas, explicam.
O presidente da Acatech, Reinhard Hüttl, calcula que levará cerca de 20 anos até essa técnica chegar ao mercado. No entanto, com sua declaração conjunta, as instituições pretendem "estabelecer, desde cedo, o diálogo com a sociedade" sobre uma tecnologia do futuro que – assim como a engenharia genética – abre grandes chances, mas também implica riscos.
Pois a pretensão de criar vida artificial tem seus antagonistas. E tudo começou em Massachusetts, nos Estados Unidos.
Como um jogo de Lego
O Massachusetts Institute of Technology (MIT) é uma universidade de elite e um cadinho de cientistas. Nele nasceu, em 2004, o conceito da "biologia sintética". O informático Tom Knight e o engenheiro Drew Endy propuseram-se a construir seres vivos no computador, compondo organismos unicelulares a partir de peças básicas, como numa fábrica.
Seu raciocínio central foi o seguinte: para quem pretende realmente compreender a vida, não basta apenas decompor seres vivos; também é preciso saber remontá-los. Como num jogo de Lego, o desafio dos bioengenheiros era criar estruturas complexas a partir de "tijolos" simples – no caso, moléculas biológicas (biobricks).
O resultado final do processo são organismos feitos sob medida para desempenhar determinadas funções. Uma brincadeira que vai além da tecnologia genética tradicional, a qual opera exclusivamente com a transferência de genes de uma espécie a outra.
Feira de bricolagem biológica
Uma vez por ano, Knight e Endy convidam bioconstrutores de todo o mundo para um grande concurso de bricolagem molecular no MIT. E então bactérias brilham em padrões coloridos ou piscam em ritmo de polca, conectadas a uma aparelhagem de som.
Alguns desses altos artesãos começaram até a construir com microorganismos uma espécie de computador, e ao menos já conseguiram conectar alguns comutadores biológicos entre si.
Para alguns, tudo não passa de brincadeira para bioengenheiros. Outros veem o nascimento de uma nova biotecnologia. Pensando nos bioarquitetos do futuro, a firma BioArts, de Regensburg, já fornece peças sob medida de ácido desoxirribonucleico (DNA), responsável pela transmissão da informação genética.
Primeiros passos
Porém alguns cientistas querem mais. O pioneiro do genoma, Craig Venter, planeja produzir, dentro de alguns anos, vida artificial partindo de matéria morta. Seu futuro organismo sintético já tem até um nome: Mycobacterium laboratorium.
Os primeiros passos para a criação de nova vida já foram dados. Em 2002, uma equipe liderada pelo virologista alemão Eckart Wimmer, da Universidade de Nova York, conseguiu reproduzir o material genético do vírus da poliomielite e construir um vírus completo em laboratório.
Como explicou Wimmer, a meta era conhecer melhor o agente infeccioso. Contudo, o resultado não foi um ser vivo artificial. Pois, apesar de compostos por material biológico, os vírus nem são capazes de se reproduzir independentemente nem dispõem de metabolismo próprio, ambos pré-requisitos essenciais para caracterizar um ser vivo.
Brincadeira a sério
A bactéria Mycobacterium genitalium é, sem sombra de dúvida, um tal organismo. Craig Venter já construiu seu genoma, cerca de 100 vezes maior do que o de um vírus. Além do mais, já provou que, enxertado numa membrana celular, o genoma sintético assume o comando.
Agora, cabe repetir esses dois procedimentos com material genético criado por seres humanos. "Isso seria vida artificial", afirma Venter. Já o filósofo Andreas Brenner, da Universidade da Basileia, discorda. "Não pode haver vida artificial. Só existe vida. A forma como foi criada não tem qualquer relevância."
E se inicia o debate sobre uma nova ciência. As questões em aberto ainda são numerosas. O que aconteceria se bioterroristas criassem agentes infecciosos de doenças totalmente desconhecidas? Organismos artificiais poderiam desencadear uma catástrofe ecológica? O ser humano tem sequer o direito de se tornar um criador?
Pelo menos para uma pergunta Craig Venter tem uma resposta pronta. Acusado de estar brincando de Deus, o enfant terrible da ciência avançada replicou: "Como assim, 'brincando'?"
Fonte: DW World
Nenhum comentário:
Postar um comentário