segunda-feira, 6 de abril de 2009

MG News : Lei do aborto na Espanha opõe igreja ao governo

Reforma sugerida por gabinete socialista reduz exigências para intervenção legal. Proposta prevê que idade mínima para aborto passe de 18 para 16 anos; católicos prometem manifestações para a Semana Santa.
A Espanha tem deixado de lado as discussões sobre como sair da crise econômica para debater um tema que parecia superado há quase três décadas no país: a legalização do aborto.
Desde que o governo divulgou os parâmetros para uma pretendida reforma que flexibiliza a lei atual -uma das mais conservadoras da Europa-, cientistas, oposição e escolas se envolveram em um enfrentamento que reacendeu também a disputa entre a Igreja Católica e os socialistas espanhóis, atualmente no poder.
Na semana passada, milhares de pessoas -500 mil, segundo os organizadores, e cerca de 20 mil nos cálculos do site Manifestómetro, dedicado a contabilizar protestos- foram às ruas de Madri pedindo a proibição total do aborto.
"O governo está dando passos para trás. Em vez de querer seguir os padrões da Europa, a Espanha poderia servir de exemplo para o continente e não permitir o aborto", disse à Folha Sofia Gutiérrez, 34, que levou os quatro filhos ao protesto, todos vestidos de vermelho e com bandeiras nacionais.
O debate explodiu no início de março, quando a ministra da Igualdade, Bibiana Aído, divulgou a conclusão de uma comissão de juristas e cientistas convocados pelo governo para desenhar a reforma.
Recomendações
O grupo faz duas recomendações principais:
1) que o aborto passe a ser livre até as 14 semanas de gestação -atualmente, apenas mulheres que comprovem algum tipo de risco de vida para ela ou para o bebê nesse período estão legalmente autorizadas a abortar;
2) e que se reduza de 18 para 16 anos a idade mínima para um aborto sem o consentimento dos pais.
Apesar de ainda não ter redigido o anteprojeto de lei que será apresentado ao Parlamento, o governo já sinalizou que não fará mudanças nas recomendações. Isso gerou imediata reação de parte da população e principalmente da Conferência Episcopal da Espanha, que, dias depois, anunciou uma campanha contra o aborto.
Embora afirme que faz parte de uma iniciativa anual, o porta-voz da Conferência Episcopal e bispo auxiliar de Madri, d. Juan Antonio Martínez Camino, reconheceu que, neste ano, a Igreja aumentou o orçamento da campanha -cujo valor não foi divulgado.
O símbolo da iniciativa é um cartaz em que um bebê aparece ao lado de um lince protegido por ameaça de extinção, sob a frase "E eu, não? Proteja a minha vida".
Desde o dia 16 de março, 30 mil cópias da foto estão espalhadas em centros católicos, ônibus e outdoors de Madri e outras 36 cidades.
Os governistas têm denunciado a intenção dos bispos de utilizar as procissões religiosas da Semana Santa para fazer campanha.
À Folha a Conferência Episcopal disse que as manifestações seriam em forma de fitas brancas amarradas no corpo e que a iniciativa é de algumas irmandades, sem coordenação central.
Divisão
"Parece que alguns setores só se manifestam contra o aborto quando há um governo socialista no poder", declarou o vice-secretário do PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol), José Blanco.
Até a própria Igreja Católica está dividida sobre o tema, segundo Rebeca Diago, da Associação de Teólogas da Espanha. "Existe uma diversidade dentro da igreja, temos o grupo Cristãos pelo Direito de Decidir.
Mas o governo tem que respeitar o direito de a igreja se manifestar", disse à Folha.
Os socialistas subiram o tom depois que o jornal "El País", identificado com o partido governista, denunciou que escolas públicas católicas têm feito campanha contra o aborto nas salas de aula, exibindo imagens de fetos.
"É revoltante que os centros educativos sirvam de fórum para a manipulação dos alunos", afirmou em nota a secretária de Educação do PSOE, Cándida Martínez.
O argumento do governo para a reforma é que a lei de 1985 está "caduca", principalmente por não garantir a segurança jurídica para as mulheres que fazem o aborto e os médicos que as operam.
Para os socialistas, os parâmetros legais que permitem a interrupção da gravidez não estão claros."Na prática, não vai mudar nada, porque hoje muitas mulheres saem do país para abortar", disse à Folha o biólogo Vicente Larraga.
Fonte: Folha de São Paulo

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