Fim de fome na Somália é impossível, diz o médico presidente internacional da ONG Médicos Sem Fronteiras (MSF), Unni Karunakara.
A crise alimentar na Somália se estendeu a Bay, a sexta região do sul do país na qual foi declarada estado de fome de um total de oito, e ameaça se expandir ainda mais nos próximos meses, informou nesta segunda-feira a ONU em comunicado divulgado em Nairobi.
Segundo o órgão, a saúde de 750 mil pessoas corre um risco iminente e pode levá-las à morte na Somália, onde cerca de 3,5 milhões de pessoas, aproximadamente metade da população do país, sofrem com a crise alimentar.
"Quatro milhões de pessoas estão em crise na Somália, das quais 750 mil correm o risco de morrer nos próximos quatro meses se não houver uma resposta adequada. Dezenas de milhares de pessoas já morreram, a metade deles crianças", disse a FSNAU (Unidade de Análise de Nutrição e Segurança Alimentar da Somália), ligada à ONU.
O comunicado ressaltou que a crise continuará se expandindo caso o nível atual de ajuda humanitária ao país não melhore. A ONU estima que necessita de cerca de US$ 2,4 milhões para conter a crise alimentar no Chifre da África.
A região de Bay, a última declarada em fome pela ONU, é controlada pelos insurgentes islamitas da Al Shebab, assim como grande parte do sul e do centro da Somália, e inclui sobretudo a cidade de Baidoa, uma das principais do país.
A Somália é o país mais afetado pela fome e pela seca que castiga a região, onde, de acordo com o órgão, cerca de 13 milhões de pessoas sofrem uma situação humanitária crítica.
O estado de fome responde a uma definição estrita da ONU: pelo menos 20% das residências confrontadas com uma grave penúria alimentar, 30% da população com desnutrição aguda e uma taxa de mortalidade diária de dois sobre 10 mil pessoas.
Fim de fome na Somália é impossível, diz médico
O presidente internacional da ONG Médicos Sem Fronteiras (MSF), Unni Karunakara, pediu que as agências humanitárias parem de traçar um retrato da fome na Somália que induz ao erro e que reconheçam que é quase impossível ajudar as pessoas mais afetadas pelo problema.
Segundo Karunakara, praticamente nenhuma agência está conseguindo trabalhar no interior da Somália, país em guerra, onde a situação é "profundamente aflitiva".
Ele criticou outras organizações e a mídia por "passarem por cima" da realidade para convencer as pessoas de que apenas doar dinheiro para alimentos é a resposta.
De acordo com Karunakara, as agências vêm conseguindo prestar assistência médica e nutricional a dezenas de milhares de pessoas em acampamentos do Quênia e da Etiópia, que vêm recebendo números enormes de refugiados da Somália.
Mas tentar ter acesso às pessoas que estão no epicentro do desastre vem sendo um esforço lento e difícil.
O uso de frases como "a fome no Chifre da África" ou "a pior seca em 60 anos", segundo o médico, ocultam os fatores "criados pelo homem" que geraram a crise no país.
CRISE
Uma guerra entre o governo de transição, que tem o apoio de países ocidentais e de tropas da União Africana, e grupos oposicionistas armados islâmicos, está em curso na Somália.
"O povo somali vive há 20 anos em um país em guerra, sem governo, enfrentando longos períodos de carência, fome e seca", explica Karunakara. "A falência desta [última] colheita foi apenas a gota d'água que o empurrou pelo abismo desta vez."
Outro fator que complica o trabalho das organizações são as fortes lealdades de clãs, que impedem o acesso de assistência internacional independente a muitas comunidades.
"Nossos profissionais enfrentam o risco de serem alvejados. Mas passar por cima das causas humanas da fome na região e das dificuldades maiores para enfrentar a fome não vai ajudar a resolver a crise", diz o médico.
DESENTENDIMENTO
Iam Bray, porta-voz da ONG Oxfam, disse que não ajuda se há uma percepção de desentendimentos entre diferentes organizações humanitárias.
"Uma seca é uma ocorrência natural; uma fome generalizada é causada pelo homem. Não andamos por aí dizendo às pessoas que temos uma varinha mágica."
Fonte: Folha.com e Folha de São Paulo
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